Bile Negra, ele gritou.
Bile Negra, ele gritou.
Aquele foi o último dia, aquele foi, ele jurou para si mesmo que se não morresse dentro de um ano ele iria pisar tão forte neste solo de calvário que haveria uma pegada que nunca sumiria pois estaria queimando para sempre, assim como seu peito.Ele sabia que para renascer necessitava morrer, ele sabia, ele sempre foi inteligente e sempre soube lidar muito bem com a maneira de olhar para baixo, ele sempre gostou de brincar de subir na cadeira e olhar para o chão com a corda no pescoço, o que ele, aquele maldito, não sabia era que um dia ele iria desequilibrar e a cadeira ia cair, curiosamente ele sempre deixou uma carta escondida na última gaveta para caso ele desequilibrasse.

Assustado por amar uma garota ele fez de tudo para que ela se distanciasse dele, ele sabia que aquilo doía demais, ele sabia que iria embora e não queria ver ela chorando, ele desejava que ela odiasse ele, ele desejava que ela nunca mais olhasse para ele. A raiva que ele sentia pelo mundo era pelo silêncio que o mundo devolvia a ele, ele era tão barulhento e tentava ser engraçado a todo momento, e o mundo era tão quieto e sem graça, e ele passou a odiar, naquele dia ele provou o ódio, o ódio mudou ele.
Ele já havia tentado ir embora algumas vezes, ele passou indignado durante todo o ensino médio, sempre pra baixo, mal humorado, odiando a si próprio, um dia ele teve um insight, O insight, o insight que mudaria sua vida para sempre, ele percebeu que calar a boca e fingir que tudo estava bem era a melhor maneira de lidar com a solidão, de lidar com os problemas que ninguém de fato queria ajudar, naquele domingo, o último domingo, ele prometeu a si mesmo enquanto escrevia em seu blog que jamais se abriria novamente para alguém.
Ninguém ligava, ninguém liga, naquele domingo, duas semanas após o sábado que fez com que ele se tocasse de que as coisas estavam erradas, duas semanas após o choro que durou duas horas, duas horas em que ele nunca havia se sentido tão sozinho, tão vulnerável, ele tentava se aproximar da única pessoa que ele acreditava que amava ele mas ela fingia nunca vê-lo, naquele domingo ele desistiu.
Mas ele fez uma promessa, uma promessa para si mesmo que mudaria o rumo da sua vida, ele jurou que não se abriria, ele jurou que não seria fútil novamente, ele seria aquele que bateria o pé na madeira e sua pegada iria ficar impressa em brasas, ele jurou que a tristeza que ele sentia por estar sozinho, por ser sozinho iria torná-lo mais produtivo, e que jamais ele abriria a boca para falar o que há de errado, não há nada de errado ele disse para si mesmo, ele acreditou naquilo e se tornou o que sonhava.
Ele conseguiu aquela maldita medalha de ouro, ele levantava as seis horas todo dia, ele tomava seu copo de leite toda manhã, ele jurou que iria destruir o local que destruiu a vida dele, e ele estudou, ele dominou a arte que o faria mudar de vida, na sua adolescência ele focou em uma única coisa, a matemática, ele se destacou na área da computação, ele conseguiu um emprego fora, ele não hesitou, não cogitou outra vida, ele renasceria em binários e scripts ideológicos, ele era um programa que nunca havia experimentado o crash, um malware para o mundo, então ele decidiu ser um daemon, ele rodou em segundo plano durante a adolescência toda.
Na fase adulta ele vivenciou aquilo que ele sempre esperou desde os oito anos de idade quando viu as lágrimas nos olhos de sua mãe e sentiu ódio, ele chegou aos sessenta e um anos de vida, e naquele dia, naquele dia frio de julho, na cozinha de sua casa, enquanto sua esposa dormia, enquanto seus filhos planejavam visitá-lo para parabenizá-lo por ter sido um ótimo pai e estar completando seu sestagésimo primeiro ano de vida ele puxou o gatilho da espingarda de caça que havia comprado aos vinte e oito, naquele dia ele foi feliz.
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